Thursday, March 13, 2008

Os intelectuais.

Ao longo dos últimos 200 anos, a influência dos intelectuais vem crescendo regularmente. Na verdade, o surgimento do intelectual secular foi um fator decisivo para dar forma ao mundo moderno. Visto de uma perspectiva histórica ampla, trata-se em muitos aspectos, de um fenômeno novo. Não há dúvidas de que desde suas primeiras encarnações como padres, escribas ou profetas, os intelectuais exigiram para si a tarefa de orientar a sociedade. Porém, sendo eles guardiães de culturas hieráticas, fossem primitivas ou sofisticadas, as inovações morais e ideológicas que eles propunham eram limitadas pelos cânones da autoridade externa e pela herança da tradição. Eles não eram, nem podiam ser, espíritos livres ou aventureiros do pensamento.
Com o declínio do poder do clero no século XVIII, um novo tipo de mentor surgiu para preencher o vazio e conquistar os ouvidos da sociedade. O intelectual secular, mesmo sendo deísta, cético ou ateu, estava tão disposto quanto qualquer pontífice ou presbítero a dizer como os homens deviam agir diante dos problemas dessa sociedade. Desde o princípio, expressou uma devoção especial para com os interesses da humanidade e uma predisposição evangélica para fazê-los avançar graças a seu ensino. Deu a essa tarefa auto-imposta um sentido muito mais radical do que tinham dado seus predecessores do clero. Não se sentiam limitados por nenhum corpus de uma religião revelada. A sabedoria coletiva do passado, o legado da tradição, os códigos prescritos por uma experiência ancestral existiam para ser seletivamente seguidos ou para ser completamente rejeitados, dependendo apenas do bom senso de cada um. Pela primeira vez na história humana - e com uma arrogância e audácia crescentes -, os homens se diziam capazes de diagnosticar os males da sociedade e curá-los com sua inteligência auto-suficiente; mais: diziam ser capazes de traçar um plano pelo qual não apenas a estrutura social, mas os hábitos básicos do ser humano podiam ser transformados para melhor. Ao contrário de seus antecessores sacerdotais, eles não eram servos nem intérpretes dos deuses; eram seus substitutos. O herói deles era Prometeu, que roubou o fogo celestial e o trouxe para a Terra.
Uma das características mais marcantes dos novos intelectuais seculares era o prazer com que submetiam a religião e os respectivos protagonistas a uma análise crítica. Até que ponto esses grandes sistemas de fé trouxeram benefícios ou malefícios à humanidade? Em que medida esses papas e pastores viveram de acordo com os próprios preceitos de castidade e sinceridade, de caridade e benevolência? Tanto no caso das igrejas como no do clero, os veredictos foram rigorosos. Hoje, depois de dois séculos durante os quais a influência da religião continuou decrescendo e os intelectuais seculares desempenharam um papel cada vez mais importante no caráter de nossas atitudes e instituições, já é hora de examinarmos suas vidas, tanto em âmbito público como privado. Pretendo avaliar particularmente as credenciais morais e de julgamento que os intelectuais possuíam ou não para ditar regras de conduta à humanidade. Como administravam suas próprias vidas? Que grau de retidão demonstravam para com a família, os amigos e os companheiros? Eram desonestos em seus relacionamentos sexuais e financeiros? Será que eles falavam e escreviam a verdade? E até que ponto seus sistemas teóricos resistiram ao teste do tempo e da práxis?


(JOHNSON, Paul. Os intelectuais. Páginas 11 e 12. Editora Imago.)

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